domingo, 18 de outubro de 2009

Domingo de manhã



A luz entrou sorrateiramente pelas frestas da janela que se esqueceste de fechar por inteiro. Meu sono leve incomodou-se e fez-me despertar. Às cinco da manhã de domingo ninguém merece tal desassossego. Por um instante de pensamento maquiavélico pensei em te acordar com o Highway to Hell do Ac/Dc. Foi só um instante, juro.

Olhei pro jasmineiro rosa do corredor da nossa casa. Aquele que plantamos a quatro mãos. Olhei pros teus olhos que eu amo: fechados, serenos. Olhos que são a paz das minhas horas incertas e a convicção aumentada das minhas horas mais certas. Olhei compassadamente os músculos do teu abdômen no trabalho pacato de inspiração e expiração. Jeitinho certo de respirar, que somente tu foste capaz de me ensinar. Correr foi bem mais fácil e eficiente depois de tudo isso.

Olhei pra folhinha do calendário marcando nosso aniversario de casamento. O da cozinha também exibe o dia 27 circulado em vermelho. E o do escritório marcado feito um X. Impossível que você seja capaz de esquecer tal e qual os cinco anos anteriores. Eu fui contraria. Lembrar assim não tem graça, mas você insistiu: “Não esqueci por querer, tenho memória fraca”. Queria que a memória fosse fraca na hora de esquecer-se das festas xaropes que você sempre me leva. Djs, “balas” e outros acessórios alucinógenos.

Olhei pro chão do quarto e lá estava teu calção jogado, tão difícil tirar e guardar na cômoda, pendurar na cadeira. O chão é sempre mais prático. Também nem me irrito, depois é você quem vai ficar catando peças pelo chão da casa e reclamando que a coluna já começa a doer, que vai ter que ir ao ortopedista, diminuir a intensidade dos exercícios “Pulley Costas”.

Olhei pro despertador e vi que de tanto olhar já se aproximava das 06h05min. Faltava 1 minuto pro relógio tocar, você acordar, tomar banho, engolir o café que eu ainda não fiz, me beijar e ir trabalhar. Em pleno domingo. Ninguém merece mesmo.

Triiiiiiiiiiim

- Bom dia amor, já fez o café?

domingo, 4 de outubro de 2009

Clássico-rei





É clássico-rei. Ainda me lembro do primeiro que vivi. Tinha então 11 anos. Final de campeonato cearense. Ceará e Fortaleza. Disseram-me que em matéria de clássico o melhor era não acreditar em favoritos, tal e qual o celebre, o futebol é uma caixinha de surpresa.
E eu bem lembro, ouvido pregado no radio, morta de vontade de estar no estádio pela primeira vez. Era perigoso diziam, clássico sempre dá confusão. Não é lugar de criança.
Lembro da impaciência infantil, unhas roídas até sangrar. Bola vai, bola vem. Aprendi que clássico é jogo diferenciado, jogador com fome de bola, narrador com o coração na ponta das cordas vocais. Venci, vencemos. Primeiro clássico-rei da minha vida. Ceará campeão do primeiro turno do cearense de 1996.

De lá para cá foram vários. Às vezes estávamos por cima, às vezes por baixo. Passei a ir ao estádio depois de muito implorar a mamãe e a meu tio, que é quem aceitou a missão de me levar aos campos de jogo: Castelão e Presidente Vargas.
Vi o nosso tetra-campeonato, vi títulos do lado de lá. Vi brigas várias, torcedores no chão, espancados, socos, tiros de borracha. Vi o espetáculo das torcidas, os cânticos, os gritos, as comemorações. Vi craques surgirem, vi a eleição de bodes expiatórios, jogadores que seriam marcados até o fim com a pecha de ruins. Vi ídolos, carrascos, baixinhos bons de bola, vi paredões, santos, guerreiros, matadores, pit bulls... Vi tanta coisa e ainda há tanto pra ver.

E até hoje é assim. Há tempos não sentia um frio na barriga tão grande na espera de um clássico. Ê 21 horas que não chegavam nunca. Tempo arrastado, as bandeiras e musicas tilintando ao longe e o relógio empacado. Todos ansiosos, esperando um resultado que sacramentasse o caminho de cada um: tricolores querendo escapar da degola, nós alvinegros, tentando ir avante e para o alto...
Só um pesar nisso tudo: em clássico não ando mais. Não tenho mais a disposição dos tempos de menina, já não dou conta de correr de pedradas e tiro de borracha. Já não acho aquilo aventura e a propósito, não há belo gol ou craque que valha a pena tamanho risco.
E sim, me dói tal constatação, antes de todo clássico-rei vem-me a mente os áureos tempos em que ia ao Castelão torcer pelo Vozão. De pé no meio da multidão, estádio tremendo, coração na mão. Vez por outra eu fecho os olhos e ouço os gritos. É gol.

E a propósito: no de ontem vencemos. Ceará 1x 0 Fortaleza . Ceará avante e para o alto...