sexta-feira, 27 de março de 2009

Primeiro beijo

Catarina sempre ria de um jeito muito miúdo. Não mostrava nunca a plenitude de seus dentes. Nunca gargalhava intensamente pra que eu pudesse ver com exatidão a perfeição das covinhas que eu tanto amava.

Eu era o tímido. Mas sempre me fiz de popular. O boy que tocava violão, namorador, querido por todos, o gaiato da turma. Mas no fundo eu era um trouxa, palerma, não sacava nada de nada. Um tonto. Tudo que eu queria era o olhar de Catarina bem no fundo dos meus olhos. Eu queria a risada mais espontânea que ela pudesse dar.

Éramos amigos, desde meninos. Crescemos vizinhos. Nossos pais por sua vez já eram amigos de infância, nossos avós também. Pelo visto isto vinha desde a idade do arco da velha. Ainda se usa essa expressão hoje?

Crescemos juntos, eu tinha transito livre na casa dela e ela na minha. Tomamos banhos pelados no jardim, subimos em arvore, andamos de bicicleta, fomos à escola juntos, fizemos natação, curso de inglês. Em todas minhas lembranças boas da meninice e da adolescência Catarina está.

Ela é a criatura mais inteligente, safa e esperta que conheci. No entanto sempre bancou a tímida. Sempre de olhar baixo, como quem esconde os olhos, os mais lindos que já vi. E eu sempre dizia: “levanta esses olhos menina”. Ao que ela sempre respondia: “não enche Tinho”

Mas ela também não foi só alegria. Foi soluço e lagrimas também. Pra mim é obvio. Eu nunca demonstrei o que sentia. Talvez porque não sentisse que Catarina desejasse o mesmo. E senti isto pela primeira vez aos 10 anos.

Há tempos ensaiava um jeito de roubar-lhe um beijo. Seria o primeiro meu e o dela também. Seria mais uma das coisas e sensações que descobriríamos juntos. Eu havia treinado de todas formas possíveis: no espelho, com uma laranja, com um copo, água e gelo. Quem nunca ensaiou?

Eu andava tenso pelos cantos, desconfiado, feito bicho espreitando à hora certa do bote. Essa ansiedade pelo momento certo me punha às vezes leso, às vezes nos nervos. Tinha que ser o mais rápido possível, ou então mamãe mandava-me ao médico de tão preocupada com minha saúde.

Foi então que um certo dia de março eu me decidi que havia chegado o momento. Ela estava tão linda e ria. O riso miúdo de sempre, veio correndo em minha direção, banho tomado, cabelo molhado, vestido tão lindo. Meu coração disparou, a mão suou, a perna bambeou. Eu pensei: é agora. Cada vez mais perto, um, dois, três...

- Tinho, hoje eu dei meu primeiro beijo na boca com o Julinho. Quer que eu te ensine?

sábado, 21 de março de 2009

Quisera eu poder dedicar-te um texto erótico, amor.

Pena eu não ter o dom pra versar sobre questões eróticas. Bem que eu tento sabe. Tenho tentado veementemente. O Clube da Luluzinha é prova irrefutável disso. Tenho tentado fugir do romantismo meloso. Tenho tentado partir pra algo mais audaz, mais sacana mesmo. Aqui e acolá consigo, mas me falta um bocado de molho.

Hoje por exemplo, eu queria fazer um texto que pusesse Sade no chinelo. Um texto que pusesse carolas de orelha em pé e que faria minha santa vovózinha tirar-me de seu testamento e coração.

Fico buscando palavras, pra não seguir o caminho fácil da vulgaridade, do apelativo, das palavras chulas e grosseiras. Diriam alguns que é inevitável erotismo sem uma boa dose de palavrões e xingamento. Eu discordo, sou a favor das sutilezas, do não-dito, do subentendido, daquilo que incita, descortina, que deixa a imaginação fluir, sou a favor das reticências que fazem o leitor imaginar o desfecho, visualizar a cena...

Restam-me apenas as palavras ecoando em meu cérebro tentando reproduzir os momentos. Palavras:minha boca em teu mamilo,tua mão em meu ventre, que esquenta e parece revolver o juízo. Tua boca colada na minha orelha. Mão na mão lentamente, delírio envolvente, os corpos desnudos em trabalho árduo, luta, embate atrevido, que dali a pouco se acalma e já parece dança, brincadeira de criança que não quer acabar.

Fôlego não falta, parece que os corpos nasceram somente com aquele objetivo. O torpor chega, surge uma dormência boa, que faz o corpo já não saber que comandos fazer. A boca ajudada pela língua, músculo resistente, ainda procura aquecer, não deixar a quentura esfriar, não quer deixar o fogo apagar. Em seu trabalho incessante lambe, a boca ajuda e mordisca, as mãos agarram, não querem soltar, o abraço parece querer o mundo abarcar. E a luta surge de novo, mas já não há fôlego, o embate vai cessando, os corpos vão se aquietando.

E aí as almas voltam a si, então tudo vai se aquietando, olho no olho, cabeça que descansa num peito. A paz.

terça-feira, 17 de março de 2009

Diga não.




Bem, eu não posso deixar passar em branco. Poucas vezes eu levanto polêmicas ou discuto algo por aqui, já que este é meu lugar de leveza. Sigo este rumo porque se diferente fosse eu teria feito um blog só pra soltar os cachorros. Mas como o assunto é música eu não posso deixar de palpitar.

Desde o dia 15 de março, o Orkut perdeu uma das suas maiores comunidades. Uma das poucas úteis, diga-se de passagem. A comunidade Discografias contava com mais de 916 mil membros e propiciava a troca de arquivos de musicas entre mais de um milhão de usuários. O fato ocorreu por pressões da APCM ( Associação Anti Pirataria Cinema e Musica). Segundo a Associação, “Em se tratando de música, ninguém tem mais arquivos que violam direitos autorais do que a 'Discografias”.

Vale lembrar que corre aqui no Brasil, um projeto de lei do excelentíssimo senhor Eduardo Azeredo (sim ,isto mesmo jovens, o mesmo que andou metido no esquema do inesquecível Marcos Valerio), que tem por fim criminalizar as seguintes praticas: legendar, traduzir e fazer download de videos e quadrinhos, download de músicas, e até mesmo produzir as aclamadas fanfictions (histórias criadas por fãs, utilizando-se de personagens já existentes).

Isto mesmo, quem por aqui nunca baixou um videozinho, uma musiquinha, um e-book? Quem nunca aqui fez uma charge aproveitando-se de um personagem já existente. Usou as aspas filho, fez citação? Cuidado, é bom fazer, porque senão o xadrez é o caminho.

Agora, imaginem isto num país que não dá conta nem dos marginais existentes. Querem criar uma nova classe. Os marginais virtuais. Vamos perguntar ao Azeredo onde ele pretende colocar milhões e milhões de internautas? Porque nem eu nem você vai parar de fazer download. Você vai?

Medida similar ocorre na Inglaterra e vários músicos como Ed O'Brien, do Radiohead, Robbie Williams, Annie Lennox e Billy Bragg, criticaram a proposta inglesa que tem como objetivo tornar crime a pratica de baixar musicas na internet.

Isto é um retrocesso, a internet proporcionou uma revolução de tamanhos inimagináveis. Um ambiente plural e multi-facetado, democrático, onde gente de todo canto, de todo buraco, troca experiências, mostra talentos, mete a boca no mundo. É um caminho irreversível. E a troca de informações, o compartilhamento de dados é inerente a isto tudo. Não tem como voltar atrás. Quantas bandinhas não fizeram acontecer a partir daqui?Quantos cantores, ou sei lá o quê se lançaram na mídia ou estouraram por causa disto aqui. Eis um caminho sem volta.

O que é mais triste, é ver um bando de gente sem escrúpulos com esse tal Azeredo defendendo interesses de gravadoras internacionais, gigantes multi-nacionais, quando deveria na verdade defender o interesse publico e tornar isto aqui um meio de inclusão social, um meio de acesso a cultura, já que neste país é mais fácil cheirar um pó ou fumar uma “prensada”, do que comprar um disco e ler um livro.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Fugir






Fujo de tanta coisa
Da profissão desencantada
Do enlace que é nó e não laço
Da deslealdade
Da descomedida vaidade

Fujo do lugar-comum, do bom-senso, da vida cotidiana regrada
Fujo do mais do mesmo
Fujo de cachaça, de gente grudenta
Fujo de gente que se acha, de emo, de punk, de gótico
Não gosto de tribos, minha tribo sou eu
Fujo de terminal de ônibus, de coisa muito salgada
Fujo de musica ruim, fujo de gente boa demais, porque isto não existe

Pratico excessos: de comida, de álcool, de amor
Não sou o maximo, não gosto de me auto-promover
As fugas de cima não representam um desejo de superioridade
Não estou acima da média, nem abaixo
Não acho que sou isso tudo, só as vezes é que acho

Invento de escrever
E aí é quando fujo mais, fujo e vôo alto
Além do além
Prego uma tal de leveza, que é fuga antes de tudo
Fuga da loucura desmedida, desta vida insana, desta selva de pedra, deste “quem com ferro fere...”

Eu fujo porque quero o desapego
Desapego das roupas, do chinelo, da pasta de dente, desapego das pessoas

Tudo é só costume, e o que se torna costume se torna dever ou vicio, limita, prende, aí não voamos mais. Então fujo, parto pra outra, viro a pagina, ponho um ponto, dobro a esquina, saio da cidade, digo bom Voyage. Até mais, so long.
Fujo porque não quero desgaste, questão de ordem: só carrego o que me interessa e o que for bom. Fujo e fugir não é para os fracos como deveras ouvi, fugir é para os sem-saco.

quinta-feira, 5 de março de 2009

Canção

Quisera eu ter escrito uma canção assim, singela e direta, que fala de travesseiros, cobertores, linguas de goma de mascar.

Quisera eu ter escrito algo assim sem pretensões, que fala de desejo, mas não precisa rimar paixão com tesão.

Quisera eu ter fugido de rimas faceis, quem sabe eu juntaria uns acordes bacanas e sairia cantando nem que fosse com essa minha voz nem tão talentosa.

Quisera eu ter escrito sobre mãos que entrelaçam em cabelos, sobre um quarto que estivesse a nossa disposição a tarde inteira, de preferencia numa quarta-feira a tarde.

Quisera eu ter instituido o corpo teu como o unico e possivel pais das maravilhas, o meu país de maravilhas.

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Inpirada por Your body is a wonderland, Jonh Mayer, música que não sai do pensamento

domingo, 1 de março de 2009

De novo



De novo
Porque não se pode parar
Jamais se pode
Deixar de versar

Até que é possível
Nova moda inventar
Vir com umas graças sutis
Ironizar, polemizar

Mas a essência é aquela
Já sabem o que digo
O negocio é rimar
Disto nem duvido

Verso, converso
Verso em prosa e verso em verso
Vez por outra me despeço
Sigo pra outra, vou com pressa

Mas sempre to de volta
Sabem como que é
Não resisto a uma rimazinha
Sem ela não dá pé




Começam a tilintar
Dentro do pensamento
Daqui pouco as mãos trabalham
E se acaba o tormento

Verso prendido é pior coisa que há
É feito cachorro bandido
Latindo de noite sem parar.