terça-feira, 25 de novembro de 2008

Começou assim...




As aspas já não me serviam mais
Nem que fossem as de Neruda
Era preciso “algo meu no mundo”
Não, acho que não passa por aí
Tinha muitos outros “algos” meus por aí

Tinham as experiências na cozinha
Tinha meu jeito único de descascar abacaxis
Meu jeito único de fazer cafuné
Tinha meu delicioso pudim de leite

Então o que faltava?
Boa pergunta. O que leva um sujeito a escrever tanto? O que leva um sujeito a perder tanto tempo em busca de versos perfeitos, da crônica irônica, do conto que foi parecendo que não ia e acabou indo? O que leva um sujeito a querer rimar lé com limão, a preferir uma página em branco a ver televisão?

Não, também não passa pela idéia do livro, do filho e da árvore. Meus escritos não ficarão para a posteridade, não serão best-sellers, nem perpetuaram minha espécie, quem dirá meu ponto de vista? Não quero vender minhas idéias, não me parecem suficientemente atraentes para serem vendidas.


Simples: escrito nenhum me bastava.

Escrevo porque cansei de me colocar entre aspas, me cansei do discurso colchinha de retalhos, pegando trechos de Drummond e Quintana, de Machado e Amado.

Cansei-me de ver aspas de falsos escritores tilintando nas minhas vistas. Fazendo troça de mim. Se eles vendem baboseiras porque não escrever as minhas próprias?

Cansei de ser a voz dos outros. Cansei de endossar, assinar embaixo, de fazer das palavras alheias as minhas próprias, cansei de plágio, de responder perguntas com frases dos outros sem ter que gastar um segundo e ter que pensar.

Foi isso. Simples assim, um dia resolvi pensar, comecei a escrever e nunca mais parei.

sábado, 15 de novembro de 2008

Não reclames






Chacoalhou bem
Pediu pra o coração bater pausadamente
Quase lhe implorou pra que fosse menos buliçoso
Mais sereno
Mais ameno

O coração, acostumado aos grandes reveses
Músculo bem treinado, habituado às tormentas
Às águas turvas e geladas
Argumentou que não dava
Que era cavalo puro sangue, que era coração puro sangue
Com veias pulsantes e batimentos galopantes

Resignou-se então com fé
Pedindo aos céus que desse força ao espírito
Que diferente do coração era frágil e quebradiço
E não agüentava tanto bulício

Um dia mais tarde admirou-se
Sentiu o coração calmo
Batendo compassadamente
E assustou-se

Viu-o saborear com sapiência o gosto de cada instante
Sem movimentos lancinantes
Viu-o tocar não como samba, mas como bossa nova
Viu-o como prosa e não como poesia
Viu-o como sempre pedira


Sentiu-se feliz
Rodopiante
Sem o lamento de entregar-se com fervor a cada novo amante
Vivia um passo após o outro
Sem espasmos de euforia
Sem lagrimas de sofrimento alternadas por enchurradas de alegria

Mas logo logo novamente admirou-se
Logo da calmaria cansou-se
Sentiu falta do coração buliçoso
Começou a encher-se de tanto sentimento insosso


Implorou a volta do coração puro sangue
Que aquele pangaré não dava mais pé
Sentia falta dos galopes
Rogou aos céus com toda sua fé

O coração então atendeu as preces
Mas disse logo em seguida
Não reclames mais da sorte
Sou o que tens de melhor na vida

sábado, 8 de novembro de 2008

Enquanto isso no terminal...





Enquanto isso no Terminal do Siqueira, mais especificamente no busão Siqueira Papicu Aeroporto...

- Senhoras e senhores passageiros, me desculpe se atrapalho o silencio da viagem de vocês...

Puta que pariu. Lá vem esse pivete de novo. Como se não bastasse o salário miserável, a bunda pregada na cadeira o dia todo, ter que arranjar troco pra cédula de 50...

- Ajude esse pobre cristão a sustentar seus irmãos e sua mãe...

Agora chega

- Ei pivete. Não pode mais vender jujuba no ônibus não.

- E porque?

- Porque o dono proibiu

- E porque?

- Porque os donos das lojas do terminal reclamaram. Concorrência pras jujubas deles.

E lá vai o garoto com as jujubas na mão.

No dia seguinte...

- Senhoras e senhores passageiros, me desculpe se atrapalho o silencio d viagem de vocês...

De novo. Mas só diz isso. Eu já num disse pra esse filho da mãe que...

- Tem de tudo. Adesivo, caneta, lápis, borracha...

Esperto o pirralho. Arranjou mais bugiganga pra vender.

- Ei menino. Desce com as tralhas.

- Mas num era só a jujuba que tava proibido


- Me enganei. Tudo que seja vendido nos boxes dos terminais ta proibido.

Lá desce o moleque pensando. O que que eu vou vender agora?

No dia seguinte...

- Senhoras e senhores passageiros me desculpe se atrapalho o silencio da viagem de vocês

Minha nossa, pivete insistente

- Ô menino, eu num te disse que não dava pra vender mais.

- Ow tio, nunca vi loja de terminal vender borracha pra panela de pressão. É só um real. Vai querer?

sábado, 1 de novembro de 2008

Poesia nunca morre




A poesia morreu, mas esqueceram de avisar o poeta. Todos os dias ele continuava a versar, a rimar. Sempre com sua folha de papel e caneta. Apesar de todo o aparato tecnológico daqueles tempos. Era o único a possuir livros, muito raros naquele tempo de muita correria e tecnologia. Tudo era lido nos smartphones, palmtops, laptops e outras coisas que ele nem sabia o nome. Havia em outra época publicado um livro de poemas e contos, mas nada vendeu porque ninguém já nem ligava pros escritos de ninguém. A língua estava mudada, os diálogos com palavras cada vez mais reduzidas e incompreensíveis. Ficava horas escutando conversas na rua sem entender nada. Não via mais arte. Não haviam exposições, ou shows. Aqui ou acolá os jovens se reuniam em um ambiente escuro, fumacento e começavam a chacoalhar-se ao som de barulhos estridentes. Não via ninguém mais olhar o pôr-do-sol. Todos trabalhavam até tarde e a atmosfera estava cada vez mais carregada. No fim de semana não havia mais praia, caranguejo.
Só ele não via que a poesia morrera, que a poesia de cada dia, do amanhecer e das flores a florescer. A poesia do jogo de bola na rua, a poesia da lua cheia. E ele continuava a rimar, lembrava de um tempo distante. E riscava na folha:

Poesia nuca morre
Enquanto bater um coração
A poesia é troço forte
Traz alvoroço e mansidão

A tecnologia tudo engole
Tragou os livros e os cantores
Mas sempre haverá um poeta
A falar de dores e amores