sábado, 30 de maio de 2009

Eu e ela.




Eu nunca tive um relacionamento muito amigável com ela. Parecíamos estranhas e alheias uma a outra. Sempre a via acompanhar os outros com facilidade, tal qual uma rameira que se deita em camas varias, dando o melhor de si. A mim ela só entregava migalhas. Nunca a tive por completo.

Vez por outra se aproximava de mim, enredava-se em volta dos meus pés, seduzia-me, gargalhava, me deixava zonza. Quando finalmente decidia-me por pegá-la e não mais soltar, ela escapava como que por passe de mágica.

E assim eu ia me acostumando a estes encontros fortuitos, acreditando que aquele estágio eternamente alegre dos outros não era pra mim. Definitivamente a Felicidade era uma zombeteira incorrigível, a fazer troça de mim sempre que tinha oportunidade.

Eis que um dia, ela chegou-se de novo, fez novamente todo o ritual. Risos, gargalhadas, andar de mãos dadas, fez-se minha melhor amiga. Prometeu não me largar e eu não disse nada. Aceitei sua companhia como quem aceita um convite de casamento de um primo distante de terceiro grau. Ela sempre se mostrava feliz. Quem diria, eu fazia a felicidade feliz. Ela me dava tudo e eu não lhe dava nada. Carregava-a por todos os lugares, mas sempre fazia crer que ela precisava de mim e não o contrario. Fiz a ver que a Felicidade sem alguém não é nada, que as camas várias em que se deitava eram frívolas. A Felicidade não quis mais me largar. Andamos sempre juntas, mas a trago na rédea curta. Ela é bem avoadinha, não se pode dar muita trela e confiança e já sai fazendo arte por aí.

Só façam segredo, não a deixem ouvir ou ler isto. Ela é muito vaidosa, por isso nunca digo, mas a verdade é que não posso mais viver sem a Felicidade.

sábado, 23 de maio de 2009

Sobre chuva, vinho e gripe.






-Não bebe amor, cê ta doente.

(Mesmo que o pedido tenha vindo entrecortado de carinho, dengo e cuidado, não pude resistir. Levantei-me, fui até a geladeira e empunhei a garrafa de vinho. Um frio destes: Fortaleza resolveu derramar tudo que havia de água no céu em um dia só. Um frio de dar dó, vontade de ficar deitado, enrolado, abraçado.)

- Eu preciso de uma dose de álcool pra esquentar.

-Porra, comigo aqui do lado e você ainda precisa de álcool pra esquentar. Tá me tirando amor?

- To não benhê. Deixa de ser sentido. Este tempo pede um vinhozinho.

- Sou mais uísque.

-Não temos uísque Tiago.

- Eu vou comprar.

- Ah bom, não vai sair na chuva não.

- E porque não?

- Vai tirar a moto da garagem, botar capa, vai se molhar na chuva, me deixar só...

- Pois vem comigo ué.

- Engraçado, não posso beber por causa da gripe e posso sair no maior toró. Cabecinha avoada.

- Ah é. Então eu fico com vinho. Quer esquentar né amor?

- Quero sim.

- Vou pedir pra sua mãe, minha sogra querida, te fazer um chá de alho.

- =[

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Regininha Soares: venturas e amarguras de uma jornalista faz-tudo




Eu sempre me dei bem com a dissertação. Bem fácil. Receitinha simples: pá introdução, pá desenvolvimento, pá conclusão. Redações sempre impecáveis, teses bem construídas e embasadas.

Então um dia eu descobri a poesia. E o que não faz o amor, este maluco inconseqüente, rápido a gente se põe a rimar, quando nos maltrata o amor ausente. Simples assim, bastam a paixão ou desilusão pra conseguirmos tal fim.

Então um dia me empurraram a crônica goela abaixo. Sabe como é, jornalista não se pode dar ao luxo de recusar nada, profissão de generalistas, experts em qualquer assunto. Marcão, o chefão, virou pra mim e disse:

- Regina, as crônicas de domingo são suas.

A Regininha aqui não teve como dizer nem ai nem ui. Marcão não pediu, impôs. E o que me restava a não ser escrever as famigeradas crônicas do domingo. Mais de meio mundo já tinha sido incumbido da tal tarefa e sempre dava em merda. Sabe como é jornalista, acaba levando tudo pra política, pra posição ferrenha. E lá vai a crônica de domingo, que era pra ser leve e modorrenta feito o domingo, se transformar em pauta e motivo de discussão na cidadezinha de deus me livre onde eu trabalho. Cruzlândia o nome da terra, destas de interior, igual a todas, com gente fofoqueira e ruas estreitas.

Marcão foi claro:

- Não me vem com pérolas em Regina. Já to de saco cheio. Se tu me vier com alguma presepada eu ponho no lugar desta merda um anuncio dizendo: Falta de crônica por incompetência da jornalista Regina Soares.

Uma seda este Marcos Taveira. Por isso é adorado por toda redação.



E cá estou, na quarta-feira a noite querendo a horas começar esta merda, tentando relembrar algum fato engraçadinho/bonitinho/levinho da semana. Já tentei encaixar um cachorrinho, um bebezinho, um cafezinho na padaria, mas também não quero que a crônica cheire a patifaria. Haja café pra ficar acordada, haja saco pra não mandar tudo as favas e haja criatividade pra fazer um crônica engraçada...



Continua...

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Amargo





Se for preciso, eu corto minha própria carne. De preferência por sobre uma veia importante: destas cujo corte faça jorrar muito sangue: eficiente e rápido.
Se for preciso eu deixo escorrer gota por gota vermelha por entres os braços, dedos.
Antes a cicatriz exposta à ferida invisível a dilacerar meus nervos, meu parco juízo.
Prefiro ser a encarnação da anti-social démodé do que me segurar em falsos laços que se romperam há tempos, mas que insistem em fazer parecer firmes.
Prefiro sumir, fugir, não atender telefone, não ter que dar explicação. Não quero mais. A mim já não interessa. Acabou

Eu prefiro o fim abrupto à permanência inerte, insossa, pálida e cínica. Como que por obrigação. Não há quem me obrigue a caralho nenhum, a não ser eu mesma.

Não venha me falar em velhos tempos. Velho é uma palavra que me bloqueia. Se há coisas que envelhecem rapidamente, não tenho mais saco pra nostalgia boboca que ri um riso imbecil no canto da boca.

Já disse que não tenho pretensão de eternidade e não se choque meu bem: amizade também acaba.

terça-feira, 12 de maio de 2009

E eu a perdi mais um pouco...



Estava eu então com 15 anos, ela com 14. Estávamos tão intimamente ligados, como nunca estivemos. Íamos a toda parte juntos, à escola, ao cinema, as festinhas. Vivíamos uma adolescência gostosa e sem grilos. Sem rebeldia, sem batidas de porta, sem reclamações.

Acontecia, todas as tardes, a rodinha de violão em minha casa, o que deixava mamãe num misto de lamento, por ter que alimentar tantos jovens famintos, e contentamento, por me ver progredir no violão. Mamãe sempre foi minha fã maior, até hoje.

Eram bons tempos, eu sou um nostálgico inveterado, não consigo lembrar daquela época sem um meio-sorriso no rosto e sem um aperto inteiro no peito.

Foi quando estive mais perto da minha Catarina. Ela que sempre fora bela, buscou na adolescência um jeito que me punha maluco. Desenhou-se numa magreza de modelo, uns cabelos compridos cor de mel e um sorriso meio desbocado contrariando a antiga timidez infantil.

Por falar nisso, Catarina me pôs no bolso nesta época, foi um período curto é verdade, nem sei se pelas companhias que a gente freqüentava, mas lembro-me que vi boquiaberto Catarina experimentar um cigarro com desenvoltura de quem nasceu fazendo aquilo.

Foram mais ou menos três meses de rodinha de violão, alguns acampamentos, festas madrugadas adentro. Agora bem me recordo, eram férias de fim de ano.





Eu estava feliz como nunca, pronto pra pedir Catarina em namoro. Tinha ensaiado uns acordes, passava noites em claro compondo. Estava decidido que ia ser no acampamento seguinte. Cachoeira, noite de luar, um violão e uma canção. Tudo a meu favor eu pensava.

Chegou o acampamento, dias felizes, noites a beira da fogueira, alguns pares de casais formados. Eu crio coragem, chamo Catarina num canto e digo:

- Tenho uma coisa pra te dizer...
- Eu também Tinho.
E eu até hoje me arrependo de não ter falado primeiro.
- Papai foi transferido. A gente vai embora pra São Paulo.

E mai s uma vez eu a perdi mais um pouco.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Cronica de viagem




É pra lá que eu sempre vou: todos os feriados importantes e os desimportantes também. Lá estou eu. Nos fins de semana em que eu teimo em odiar Fortaleza: lá vou eu.
Sempre o mesmo rito: ajeitar mochila, qual biquíni vai e qual fica, olha o protetor. E não se pode esquecer a câmera, pra colecionar mais um pôr-do-sol. Depois vem a compra da passagem, no mínimo dois dias de antecedência pra garantir a janela: tudo pra admirar a paisagem de noitinha. Beleza pura.
O melhor é a ansiedade pré-viagem, é o ligar pros amigos e família dizendo que vai. Dizer o dia, a hora e o lugar, o planejar das excursões aventureiras, mato adentro, pernas raladas e picadas de mosquito que estão por vir, assim como a cerveja e o restaurantezinho manêro do sábado.
O melhor é a praia que eu sei que vou ver, a água da bica generosa e perene massageando minhas costas, aliviando a cuca. O melhor é ver o pôr-do-sol de cima da duna matutando altas idéias. O melhor é o sossego das ruas desertas. Eu prefiro os feriados desimportantes, não há tanta gente nas ruas e eu egoisticamente posso admirar minha terra querida, meu lugar seguro, minha casa, o meu lar.
O melhor é saber que quando o mundo der um nó, nada der certo, a vida estiver uma droga, a semana tiver sido paulêra, eu vou poder comprar uma passagem baratinha, clamar pelo colo de vovó e me banhar naquele azul sem fim que eu consigo ver lá de cima.
O melhor é saber que quando tudo estiver perfeito, lindo, cem por cento, as mil maravilhas, eu vou querer comprar uma passagem baratinha e contar pra família, rever o sorriso da vovó e agradecer ao mar azul sem fim pelas bênçãos e bálsamos que me proprocionara.
A verdade é só uma e eu a descobri depois de duas cervejas ,em cima da duna, vendo o sol ir embora, há dois anos atrás: Não importa por onde eu caminhe, meus pensamentos sempre se encaminham pra lá.